O ESTADO DE S.PAULO – 06/01/2019
EDITORIAL
A imprensa livre “apanha” desde que existe, mas estimula e consolida incontáveis avanços políticos e sociais.
Em um balanço de final de ano, María Elvira Domínguez, presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) e diretora do jornal El País, de Cali, na Colômbia, destacou que 2018 foi um ano de “altos e baixos” para a liberdade de imprensa nas Américas.
Entre os grandes avanços obtidos no ano passado, destacou María Elvira, está a criação de “barreiras de proteção jurídica aos profissionais e aos veículos de comunicação, sobretudo na atuação em meios digitais”, em diversos países da região.
Outra importante vitória foi a aprovação, durante a 74.ª Assembleia-Geral da entidade, em outubro do ano passado, da Declaração de Salta sobre Princípios da Liberdade de Expressão na Era Digital, um marco para o livre exercício do jornalismo por estender ao ambiente digital garantias à liberdade de imprensa que já estão previstas para os meios ditos tradicionais.
Também mereceu destaque positivo no balanço anual da SIP a condenação da Colômbia, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), pela impunidade do assassinato do jornalista Nelson Carvajal, ocorrido há 20 anos. “Destaco a importância que tem esta decisão da CIDH por criar jurisprudência internacional, o que nos dá esperança de justiça em outros casos tristemente semelhantes”, disse María Elvira.
As conquistas, no entanto, foram maculadas pela morte de 29 jornalistas e outros profissionais de imprensa ao longo de 2018: 11 no México, 6 nos Estados Unidos, 4 no Brasil, 3 no Equador, 2 na Colômbia, 2 na Guatemala e 1 na Nicarágua. Isso sem contar os que foram presos em decorrência do exercício da profissão.
A reflexão sobre a importância vital da liberdade de imprensa para o amadurecimento democrático deve ser constantemente estimulada. É precisamente o que a análise de dados como os apontados pela SIP suscita.
A liberdade de imprensa foi, é e continuará sendo um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito. A democracia e a imprensa livre são indissociáveis. Há entre elas uma relação simbiótica de tal ordem que não se pode conceber uma coisa sem a outra.
De acordo com um relatório da ONG Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil atualmente ocupa a 102.ª posição em um
ranking de liberdade de imprensa composto por 180 países. É uma posição que não nos envaidece e deveria unir as forças vivas da Nação em torno do aprimoramento constante da liberdade de imprensa no País.
De uns anos para cá, particularmente em virtude da ampliação do uso das redes sociais e de aplicativos de comunicação instantânea, como o WhatsApp, tem havido uma enorme confusão entre o que é jornalismo e o que é a mera disseminação de informações, que nem sempre são verdadeiras – as chamadas fake news. Jornalismo se aferra aos fatos. Apuraos com diligência e espírito público e os divulga quando se trata de interesse público. O trabalho jornalístico sério é referência para a articulação da sociedade em torno de um conjunto hierarquizado de informações. Muitos dos que dizem fazer parte de uma “mídia alternativa” passam longe desse tipo de cuidado.
Para agravar este quadro, na esteira da polarização política fortemente estimulada pelos governos lulopetistas, mas não restrita a eles, as notícias eventualmente contrárias aos interesses de governos de turno passaram a ser classificadas como mentiras. Tentou-se emular aqui o que o presidente Donald Trump tem feito nos Estados Unidos.
Não tem sido incomum que governantes ou seus acólitos incitem a militância contra os órgãos de imprensa, como se estes fizessem parte de um “complô”, quando se veem diante da divulgação de fatos que gostariam de manter na obscuridade. A má notícia, para os manipuladores das redes sociais, é que a imprensa séria e profissional tem a teimosia e a resiliência como alguns de seus melhores atributos.
A imprensa livre “apanha” desde que existe. Mas chegou até aqui, estimulando e consolidando incontáveis avanços políticos e sociais. Fugazes são os governos.