O GLOBO – 25/10/2018

GUGA CHACRA

O Qatar, o Irã, a Turquia, o Líbano e o regime de Bashar al-Assad na Síria, além da Rússia, saem fortalecidos ao verem a Arábia Saudita e seu príncipe herdeiro e ditador de fato do país, Mohammed bin Salman (MBS), serem acusados de envolvimento no assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul. Perde o próprio regime de Riad, os Emirados Árabes, o governo Trump nos EUA e o de Netanyahu em Israel.

O Irã se beneficia ao ver seus adversários sauditas sendo associados a atrocidades. Agora, sempre que acusarem o regime de Teerã de crimes, os iranianos poderão responder — “e seus aliados sauditas, não fazem o mesmo ou pior?”. O Qatar, alvo de bloqueio imposto por MBS, agora ganha força como um regime mais maduro perto de seus vizinhos no Golfo. Assad pode mais uma vez acusar seus opositores de serem jihadistas apoiados pelo sanguinário regime saudita. No Líbano, sem a pressão saudita, o premier Saad Hariri, que chegou a ser mantido refém por MBS, deve levar a sua coalizão sunita a um governo de união nacional com os cristãos e os xiitas, incluindo os do Hezbollah.

Netanyahu, por sua vez, apostou suas fichas em MBS por dois motivos. Primeiro, porque o ditador saudita tem interesses em comum com o premier de Israel. Para eles, o Irã é uma ameaça.Emsegundolugar,porqueolíderisraelense via no líder saudita um possível parceiro não apenas para mediar um acordo com os palestinos como também para assinar uma paz mais ampla entre Israel e nações do Golfo. Após o assassinato, obviamente, Netanyahu buscará evitar associação com um regime como o saudita, ao menos no médio prazo.

O caso de Trump é ainda mais grave. Primeiro, pela amizade pessoal que o líder dos EUA estabeleceu com MBS. Seu genro, inclusive, se tornou amigo íntimo do ditador saudita. A Arábia Saudita, e não aliados como o Canadá ou o Reino Unido, foi o primeiro país estrangeiro visitado por Trump como presidente. Em segundo lugar, o atual governante dos EUA apostou grande parte de suas fichas na estratégia de geopolítica para o Oriente Médio em Bin Salman. Os sauditas são fundamentais para os americanos isolarem o Irã e imporem as novas sanções contra o petróleo iraniano. O regime de Riad também era visto por Washington como necessário em uma negociação de paz entre israelenses e palestinos.

Os Emirados Árabes Unidos, por sua vez, são os maiores aliados da Arábia Saudita no Oriente Médio. Mohammed bin Zayed, conhecido como MBZ e príncipe herdeiro de Abu Dhabi, o mais importante emirado, esteve por trás da política dei solamento do Q atar eé aliado de MBS também na Guerra do Iêmen.

A Turquia, claro, sai como vencedora. Recep Tayyip Erdogan, um dos maiores autocratas do planeta e perseguidor de jornalistas, posa de defensor da liberdade de imprensa e de líder maduro em contraste com Bin Salman. O ditador saudita, por sua vez, tornou-se tóxico. Mas alguns dizem que o poder saudita é tamanho que, no longo prazo, ele voltará a ser “normalizado”. Espero que não seja. Seria de uma enorme hipocrisia algum líder ocidental tirar uma fot oco mele após o assassina toem Istambul. Ao menos,éo que eu achava. Mas o secretário do Tesou rodo sEU Atirou uma foto todo sorridente ao lado de MBS nesta semana. Inacreditável a hipocrisia.