O GLOBO – 27/10/2018

MARCELO ADNET

O pleito atual fez a disputa Aécio contra Dilma, em 2014, parecer uma morna preliminar diante de tantos ataques e ‘fake news’

Chegamos ao final das eleições mais surreais da nossa História. Não há precedentes que sirvam de parâmetro para este pleito, que faz aquele Aécio contra Dilma, em 2014, parecer uma morna preliminar. Os ataques generalizados à imprensa, à sociedade civil, à política, às instituições e às opiniões divergentes acabam ferindo a nós mesmos. Perde o Brasil. Eu não sei vocês, mas me sinto mais cansado e abatido que todos os plantonistas da GloboNews juntos. Não bastassem as obrigações cotidianas e os ânimos acirrados pela política, estou na Justiça por conta de ameaças de morte incentivadas por uma fake new fabricada contra mim — insinuando que eu teria feito um áudio para incriminar um candidato. Além disso, acho tempo para conversar com pessoas e robôs. Sou provocado e muitas vezes alimento o robô, respondendo-o, dando-lhe visibilidade e autenticidade. Como os seguidores mais fanáticos de Bolsonaro, que se sentiram chateados com minha imitação, primeira da série de 12 vídeos que produzimos, e se organizaram para clicar em “não gostei”. Fabricaram uma rejeição que era tida como prova da minha falência, minha morte artística — como se pudéssemos medir alguém pela quantidade de curtidas em uma rede social. Acabaram por promover o vídeo a quase 5 milhões de visualizações, impulsionando aquilo que odiaram. Este movimento de empedrar o que odiamos é notório. Anteontem, ao chegar em casa após o trabalho, fiz questão de gravar o último dos 12 vídeos para este jornal: o debate entre Haddad e Bolsonaro, pois não me conformo com a falta que o debate faz.

Fico feliz com a pequena contribuição que demos, mas ainda assim não me sinto satisfeito. É que o nível apresentado pelo debate político foi fraquíssimo, raso, forjado. O que nos foi apresentado em termos de proposta foi uma vergonha, uma desonra para a democracia brasileira. Esse processo, em vez de servir ao eleitor, o colocou em risco. Pessoas foram caluniadas, perseguidas, agredidas, assassinadas. Meu repúdio e de tanta gente a uma campanha baseada em constrangimento e violência.

Se Bolsonaro surpreender e tocar bem o país, ficarei muito feliz e até entusiasmado. Mesmo sendo vítima de uma facada que atingiu a ele e a todo o processo eleitoral, oque foi feito edito nesta campanha foi medonho e absurdo do ponto de vista democrático. Se Haddad vencer, numa virada de última hora, que permaneça distante das condenadas contradições de seu partido e tenha autonomia para se livrar, sob olhar ferozmente crítico, dos velhos erros que seus colegas cometeram. Do exterior, vem uma brisa. O jornalista esquartejado diante dos olhos do mundo e as bombas entregues aos líderes norte-americanos nos lembram: alguma coisa está fora da ordem. Foi um prazer estar aqui com vocês neste conturbado e importante momento. Acha que acaba amanhã com o segundo turno? Não. Está apenas começando. Até breve!

Jornalista e humorista: escreve aos sábados durante as eleições