O GLOBO – 28/10/2018

IGOR MELLO
Os principais temas explorados por notícias falsas tiveram um alcance significativo nas redes durante a reta final da campanha, mostra um estudo feito pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGVDAPP). As notícias sobre fraudes na eleição lideraram a repercussão no Facebook, no Twitter e no YouTube, seguida pela discussão sobre o “kit gay”. Os boatos sobre a confiabilidade da urna eletrônica e supostas fraudes nas eleições monopolizaram as discussões no YouTube.

Vídeos sobre o tema somaram mais de 37,5 milhões de visualizações. No Facebook, 50 links de notícias falsas sobre o assunto superaram 3,3 milhões de interações—soma de curtidas, comentários e compartilhamentos na rede social. Já no Twitter, houve 1,1 milhão de menções ao assunto, segundo os dados compilados pelos pesquisadores. Os boatos sobre o “kit gay” — suposta distribuição de livros sobre educação sexual para alunos de seis anos —tiveram ampla repercussão no Facebook e no Twitter. No primeiro, houve 2,3 milhões de interações, enquanto no microblog foi mencionado 1 milhão de vezes. Os dois boatos motivaram reações da Justiça Eleitoral. No caso da segurança das eleições, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, convocou uma entrevista coletiva, durante o primeiro turno, para atestar a confiabilidade do sistema eleitoral, diante da avalanche de informações falsas sobre problemas com as urnas eletrônicas ao longo do dia de votação.

CARDÁPIO EXTENSO

Já a questão do “kit gay” motivou uma decisão do ministro Carlos Horbach, do TSE, que determinou a exclusão de vídeos divulgados no Facebook e YouTube por Jair Bolsonaro com acusações sobre a suposta distribuição do material em escolas públicas durante a gestão de Fernando Haddad (PT) à frente do Ministério da Educação. Outros temas frequentes para fake news tiveram repercussão muito menor nas redes. Estão entre eles a história de que a facada em Bolsonaro teria sido uma farsa para ocultar uma cirurgia contra um câncer; as alegações quanto ao conteúdo de um livro escrito por Haddad; ou a mudança da padroeira do Brasil, falsamente atribuída como uma proposta de Bolsonaro.

NOVA ERA

Para Marco Aurélio Ruediger, diretor da FGV-DAPP, a propagação de notícias falsas foi um fator importante para a definição dos campos político-ideológicos que polarizaram a eleição — o petismo e bolsonarismo. Ele afirma ainda que a repercussão desse tipo de informação tomou o espaço do debate propositivo. —Os boatos foram muito utilizados como uma distinção ideológica de um campo em relação ao outro. Tratam de temas de apelo emocional, mais simples de se entender. O que a análise traz de mais interessante é que a circulação muito grande desse tipo de informação falsa toma o espaço de outro tipo de notícia, que seria estratégica para o país. Foi um debate pobre —afirma. As notícias falsas contra Fernando Haddad tiveram repercussão muito maior nas redes sociais do que as que prejudicam Bolsonaro. Segundo Ruediger, isso não significa que a difusão de fake news seja uma exclusividade dos apoiadores do candidato do PSL, mas sim que sua rede de apoio é mais articulada do que a do petista. —Não é que seja um privilégio de Bolsonaro, a esquerda também tem seus ataques mais vulgares para atrair o eleitorado. Nessa conformação, a direita começou a ter mais espaço porque os temas que falam para o eleitorado brasileiro são conservadores, até em função da rejeição ao PT. Um campo utiliza as redes sociais de uma forma muito mais integrada e estratégica que o outro —explica. Ruediger não vê soluções fáceis para coibir de maneira apropriada a difusão de fake news, embora ache que o TSE deveria ter se preparado melhor para lidar com abusos, como o uso ilegal de disparos de mensagens em massa no WhatsApp. Porém, avalia que o cenário deve se manter inalterado após a eleição:

— Não termina nas eleições, acaba virando um elemento do processo político em qualquer país. Isso a que estamos assistindo não vai ser diferente do que veremos para a frente. A época dos marqueteiros e agências de publicidade dos governos é uma coisa do passado.