O GLOBO – 28/10/2018

Um estudo do Grupo de Pesquisa em Tecnologias de Comunicação e Política (TCP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) mapeou como funcionam redes de distribuição de notícias falsas no WhatsApp. Os pesquisadores monitoraram 438,4 mil mensagens em 90 grupos públicos sobre política, envolvendo diferentes vertentes ideológicas e todos os principais candidatos. Segundo eles, a propagação de boatos tem um modelo específico.

O estudo aponta que o WhatsApp funciona como uma rede social, não somente como um serviço de troca de mensagens privadas. E são os usuários, e não os grupos, os elos para a viralização de conteúdos. Apesar de especialistas afirmarem que o WhatsApp foi decisivo para os resultados desta eleição, pesquisa do Ibope revelou na semana passada que o impacto do aplicativo foi limitado. Segundo o instituto, 73% dos entrevistados disseram não ter recebido mensagens contrárias a presidenciáveis. Críticas a Fernando Haddad (PT) foram recebidas por 18% do eleitorado, mesmo percentual que foi atingido por ataques a Jair Bolsonaro (PT). Porém, entre os que receberam críticas contra candidatos, 75% declaram que as mensagens não os ajudaram a decidir o voto. No estudo sobre viralização, supostas fraudes para beneficiar Haddad são um bom exemplo. A mensagem foi compartilhada 48 vezes em 25 grupos monitorados na pesquisa durante o dia 8 de outubro —a segunda-feira após a eleição.

A primeira mensagem foi disparada às 11h26m para um grupo com 190 participantes. Duas horas depois, o número de pessoas afetadas já havia sido multiplicado por dez — chegando a 2.358 pessoas. Até o fim do dia, a mensagem chegou aos telefones de 4.265 pessoas apenas entre os grupos monitorados pelo grupo de pesquisa. Segundo Alessandra Aldé, coordenadora da pesquisa e professora da Uerj, a forma como as notícias falsas são produzidas e distribuídas denota uma articulação centralizada, que se opõe à ideia de difusão orgânica. — A linguagem e o apuro estético que observamos são mais próximos das campanhas profissionais do que da fabricação amadora de memes — explica. — Você percebe que existe uma produção profissional dessas notícias. Elas não são simples textos de um eleitor comum, há um padrão.

LIMITES

O pesquisador João Guilherme Bastos dos Santos, que coordena a análise de dados do estudo, destaca que quase a totalidade dos participantes dos grupos de WhatsApp monitorados está indiretamente interconectada. Isso porque uma rede de perfis que integram diversos grupos funciona como elo. Apesar disso, os pesquisadores perceberam que nem todos os usuários são atingidos igualmente pelos boatos. — Nosso objetivo era entender qual é o caminho da notícia falsa. Se está todo mundo interconectado, o potencial dessa rede faz com que ela possa chegar a quase todo mundo. Mas ela não chega porque as notícias falsas têm caminhos preferenciais de acordo com o tema que abordam. Quando a gente identifica um caminho preferencial, isso mostra que pode haver uma ação sistemática —analisa. Santos ainda afirma que há soluções técnicas para reduzir a capacidade de viralização de fake news no WhatsApp: — Limitar tamanhos de grupos ou a quantidade de vezes que um post pode ser encaminhado com certeza vai diminuir a quantidade de vezes que uma informação vai ser viralizada. (Igor Mello)