O GLOBO – 28/10/2018
MIGUEL CABALLERO
A mais surpreendente eleição desde a redemocratização trouxe novidades e a aposentadoria de velhos conceitos do jeito de se fazer política no Brasil
É precipitação decretar a morte da panfletagem nas campanhas eleitorais, mas os sinais de que algo mudou nas eleições de 2018 foram evidentes. Cenas como as de zonas eleitorais com o chão repleto de santinhos de candidatos foram mais raras do que em outros anos. A principal explicação vem do que é apontado por cientistas políticos, candidatos e marqueteiros como um dos grandes influenciadores de voto: as redes sociais e aplicativos de smartphones como o WhatsApp. Os santinhos virtuais, com indicação do voto para cada um dos cargos em disputa em 7 de outubro, tiveram alta circulação entre os eleitores. Foram em grande medida responsáveis pelo maior fenômeno dos últimos dias antes do primeiro turno: a surpreendente arrancada de alguns candidatos que associaram seus nomes ao do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), como Romeu Zema (Novo), em Minas Gerais, e Wilson Witzel (PSC), no Rio. A replicação dos santinhos contribuiu para que a associação entre os candidatos e a transferência de votos fosse mais eficiente.
A propaganda digital tem ainda outra propriedade importante: como é proibido distribuir material de campanha e panfletar no dia da votação, a distribuição virtual passa longe dos olhos de qualquer fiscalização das autoridades. Os panfletos virtuais também costumam ter linguagem mais bemhumorada, incomum nos materiais físicos.
As imagens com indicações de voto e o número dos candidatos também foram um eficaz substituto da tradicional “colinha” que os eleitores costumam levar para não esquecer os números e a ordem de votação. A legislação eleitoral proíbe que o eleitor fotografe ou use o celular na cabine, mas ele pode consultá-lo livremente até a entrada da seção. Durante décadas, o glossário político ensinava que o MDB era um importante aliado em disputas presidenciais pela “capilaridade” do partido. Ou seja, o fato de ser uma legenda com diretórios estabelecidos até nos mais remotos municípios do país era um ativo fundamental para que o candidato apoiado conseguisse chegar à população distante dos grandes centros. A eleição de 2018 parece mostrar que não houve melhor instrumento para atingir grotões do país do que as redes sociais. Notadamente, o WhatsApp, que tem mais de 120 milhões de contas ativas no país,foi um meio muito mais eficiente para chegar ao eleitorado mais distante, ao lado das outras redes sociais. Não se trata apenas de chegar até a população cotidianamente mais afastada do debate político, mas de que forma alcançá-la. A “capilaridade” tradicional fazia o pedido de votos chegar aos interiores pela voz de políticos com ascendência local, ou pelo domínio de espaço da propaganda convencional. “Uma vantagem do WhatsApp e das redes sociais é que a mensagem chega de alguém de confiança, ou pelo menos conhecido. É evidente que isso tem uma recepção diferente, ainda que uma enorme parte do conteúdo distribuído seja falsa”, avalia o cientista político Claudio Couto, da FGV. Ainda na área da regionalização das alianças, outro item do léxico político que perdeu valor em 2018 foi o “palanque estadual”, em outros tempos uma obsessão para os presidenciáveis que passavam para o segundo turno. Neste ano, Fernando Haddad (PT) praticamente não obteve apoio de candidatos a governador — foram apenas três entre os 28 postulantes em 14 estados que vão às urnas hoje na disputa local. E Jair Bolsonaro (PSL), apoiado pela maioria deles, evitou se aproximar das eleições estaduais. Se a revolução digital é frequentemente apontada como fator de empoderamento do cidadão comum que ganhou voz no debate político, o caminho inverso também é percorrido. Os canais de comunicação próprios, como as redes sociais, estão permitindo aos políticos optar por falar diretamente ao público, contornando tradicionais mediadores e filtros do debate, como declarações à imprensa ou mesmo a produção dos programas televisivos. Fazer campanha ou anúncios públicos por meio de mensagens nas redes também é uma forma de escapar de questionamentos mais críticos como os de uma entrevista coletiva, por exemplo. Aprender a usar a força dos meios digitais virou uma obsessão dos políticos brasileiros, especialmente após uma eleição em que velhos caciques foram derrotados por candidatos que se apresentaram como “o novo”. O grande desafio para quem está há muito tempo na vitrine, na avaliação de especialistas, é falar diretamente com o eleitor e criar uma imagem positiva.
“Já depois do primeiro turno fui procurado por vários prefeitos que estão preocupados em como construir sua imagem nas redes, com medo de perderem a reeleição em 2020 para nomes ‘de fora’ da política. Na internet, a construção da imagem é diária, não só em campanha. O Bolsonaro vem trabalhando seu público há alguns anos”, avalia o consultor de marketing político Marcelo Vitorino.
Por enquanto, o empenho de recursos da maioria dos candidatos para programas de TV foi bem maior do que os destinados aos canais na internet. “As equipes que produzem o programa diário na TV são ainda maiores do que as que fazem o conteúdo para diversas plataformas digitais. É algo que está começando a mudar, e será inevitável”, completa Vitorino.
1 Mais Zuckerberg, menos Gutemberg Os santinhos digitais superam propaganda tradicional 2 A capilaridade agora é digital Alianças locais deixam de ser o meio mais eficaz para atingir o eleitor de áreas distantes 3 A comunicação direta com o eleitor Uso das próprias redes é tendência que deve durar entre os políticos