O GLOBO

Geralda Doca, Julia Lindner e Henrique Gomes Batista

Líderes da Câmara e do Senado se reúnem nesta terça-feira para discutir a pauta dos vetos presidenciais, entre eles o que impede a prorrogação da desoneração da folha salarial em setores intensivos em mão de obra até 2021.

Segundo líderes de partidos, a expectativa é que o encontro resulte em acordo para que a votação ocorra no Congresso Nacional na quarta-feira. Eles destacam a importância da medida para a manutenção dos empregos neste momento de crise no país.

O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), diz acreditar que o Executivo não vai criar obstáculos à derrubada do veto à extensão da desoneração porque tem informações de que este é o desejo da Câmara e do Senado. Como contrapartida, o governo quer que os parlamentares aprovem os projetos que abrem crédito para os ministérios. Estão na fila 29 propostas com essa finalidade.

Há preocupação com o quórum necessário para votar a matéria por causa da proximidade das eleições municipais. Contudo, Gomes não vê empecilho porque as votações têm sido feitas de forma remota por causa da pandemia do coronavírus.

— Acho que o governo não vai criar obstáculos. O governo tem as informações necessárias para saber que o ambiente é de derrubada desse veto — afirmou Gomes, acrescentando: — Apesar de o calendário estar muito apertado por causa da eleição, a gente está aqui em Brasília para tentar fazer a sessão. O que vai dar ou não dar acordo é a conversa que teremos amanhã (hoje) com todos os líderes. Logo após essa conversa, vamos avaliar melhor como vai estar o clima na quarta-feira.

O que é a Medida Provisória 936
Regras gerais Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
A MP 936, transformada posteriormente em decreto, autorizou a suspensão de contrato e redução de jornada e salário de empregados, com o objetivo de preservar empregos durante a crise econômica causada pelo novo coronavírus. As medidas seriam válidas por 90 dias, mas foram prorrogadas duas vezes e, agora, podem ser adotadas até dezembro.

Como funciona a suspensão de contrato?
Suspensão de contrato Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
O trabalhador tem o contrato suspenso, e o governo paga o chamado Benefício Emergencial. Os valores desse complemento são calculados com base no seguro-desemprego a que o funcionário teria direito, caso fosse demitido. Variam, portanto, de acordo com o salário que funcionário recebia antes da suspensão.

Como funciona a redução de jornada?
Redução de jornada Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
As empresas podem reduzir salário e jornada dos funcionários em 25%, 50% e 70%. Cortes diferentes destes têm de ser feitos por acordo coletivo. O governo paga um complemento, o chamado Benefício Emergencial, ao empregado. O valor desse complemento varia conforme o salário do funcionário e o percentual de corte, tendo por base o seguro-desemprego.

Como fica o salário do trabalhador?
Como fica o salário? Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
O trabalhador vai receber a remuneração proporcional do empregador mais a complementação do governo. O repasse do governo, não necessariamente, vai repor todo o salário, porque o valor do seguro-desemprego não é equivalente ao salário que o empregado recebe na ativa.

Como o governo vai compensar perdas de quem for afetado?
Compensação de perdas Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
O governo oferece uma compensação calculada de acordo com o valor do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito se fosse demitido e à redução de jornada. O valor do seguro-desemprego varia entre R$ 1.045 e R$ 1.813,03. Sobre esse montante, incide o percentual de redução de jornada.

Quem pode aderir à suspensão ou redução de jornada?
Adesão Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
Esse regime pode ser adotado por micro, pequenas, médias e grandes empresas. Mas é restrito a companhias privadas, não valendo para as de economia mista, como a Petrobras, ou 100% controladas pelo Estado, como Infraero.

Como deve ser o acordo?
Acordo Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
Os termos do acordo, tantos os novos quanto os já realizados, podem ser encaminhados pelas empresas por meio do site e aplicativo Empregador Web. É preciso informar o número da conta bancária de cada funcionário, e esta não pode ser conta corrente. Para renovar os prazos dos acordos, as empresas precisam renegociá-los com os empregados e informar o governo.

O empregado pode ser demitido após o fim do acordo?
Situação do empregado Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
Não. Há um período de estabilidade no emprego que deve ser igual ao período em que vigorou o corte de salário ou suspensão de contrato. Ou seja, se a redução salarial durou dois meses, o funcionário tem mais dois meses de trabalho. Depois disso, pode ser demitido, com direito a seguro-desemprego.

Vale para trabalhador com contrato intermitente?
Contrato intermitente Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
Sim. Se esse trabalhador tiver mais de um empregador, receberá a compensação de cada um que reduzir a jornada. Terá direito ainda ao auxílio de R$ 600 aprovado pelo governo para informais.

Vale para trabalhadores domésticos?
Empregados domésticos Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
Sim. Os empregadores podem reduzir jornada e salário de seus funcionários domésticos com remuneração inferior a R$ 3.135. A redução pode ser de 25%, 50% ou 70%. O pagamento da remuneração será proporcional à redução. Poderá haver suspensão do contrato também. Neste caso, o trabalhador doméstico tem direito a 100% do seguro-desemprego.

Como fica o cálculo da contribuição para o FGTS?
Cálculo do FGTS Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
A base de cálculo para o FGTS será o salário reduzido, sem o acréscimo do seguro-desemprego. E o trabalhador não terá direito a sacar o Fundo. Em caso de suspensão do contrato, não haverá recolhimento.

E o pagamento de décimo terceiro proporcional?
Acordos Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
Durante o período de suspensão do contrato, a contagem da proporcionalidade do 13º salário fica interrompida. Assim, não serão considerados os meses de suspensão. No caso da redução, não há um consenso ainda, mas a maioria dos advogados consultados diz que o cálculo do 13º continuará sendo feito com base no salário contratual.

Como ficam benefícios?
Benefícios Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
Planos de saúde e odontológico devem ser mantidos tanto em caso de redução quanto de suspensão de contrato. Quanto ao vale-refeição, não há consenso entre especialistas, pois seria pago apenas a empregados que estão trabalhando. Previdência privada e auxílios creche e funeral também são mantidos. Se não houver deslocamento do empregado para trabalhar, não é devido o vale-transporte.

Qual o efeito sobre férias?
Férias Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
Não há efeito sobre direito a férias, e o adicional de um terço do salário deverá ser pago normalmente.

Como ficam as gestantes?
Gestantes Foto: Criação O GloboFoto: Criação O Globo
O texto aprovado no Congresso garante a manutenção integral do salário-maternidade. Na proposta original do governo, elas poderiam ter seus contratos reduzidos ou suspensos, como qualquer outro trabalhador. A mulher ainda terá direito de somar o período de licença-maternidade com o período de estabilidade previsto na medida provisória.

Setores que mais empregam
O debate sobre a desoneração da folha começou em junho, quando o Congresso aprovou a prorrogação da regra que hoje permite que 17 setores intensivos em mão de obra — empregando mais de seis milhões de pessoas — troquem a contribuição previdenciária de 20% sobre salários por uma alíquota de 1,5% a 4,5% sobre a receita bruta. Com a desoneração, a empresa não deixa de pagar imposto, adota outro modelo, de acordo com sua atividade.

Taxa: Para desonerar folha de todos os setores, governo quer novo imposto sobre transações

A medida tem o objetivo de incentivar a geração de empregos em meio à recessão, mas perde a validade em dezembro. Pelo novo texto, o regime valeria até o fim de 2021. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, vetou a prorrogação, por recomendação do Ministério da Economia e da Advocacia-Geral da União.

O líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), disse que está articulando pela realização da sessão e pela derrubada do veto:

— A derrubada desse veto é muito importante para os setores que mais empregam no país. Se for mantido, as empresas serão reoneradas, e podemos ter mais milhões de desempregados. Acho que o governo não quer isso para 2021.

Contra o veto:  Sindicatos fazem manifestação em Brasília pela prorrogação da desoneração da folha de empresas

O líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), também avalia que o veto da desoneração será derrubado:

— Será o grande desafio do país, preservar os empregos e gerar novas oportunidades. E estamos falando dos 17 setores que mais empregam no país. Manter a desoneração da folha será essencial para contribuir com a retomada econômica do Brasil.

Já o líder do Podemos no Senado, Álvaro Dias (PR), disse que houve um compromisso de que a votação ocorra ainda esta semana e que espera que ele seja cumprido:

— Amanhã (hoje) teremos reunião de líderes do Congresso para discutir a pauta de quarta-feira (amanhã). Espero que não recuem. Está compromissado.

Um eventual adiamento pode ser “catastrófico”, na visão de entidades empresariais e de trabalhadores. Líderes dos segmentos que são afetados com a decisão do presidente Jair Bolsonaro dizem que a simples mudança de data da votação da matéria pode gerar demissões em massa.

— O simples adiamento da votação será uma catástrofe. As empresas precisam se planejar. Não dá para imaginar que se pode ter um aumento de custo de 7,5% a partir de janeiro, as empresas vão começar a demitir ainda em novembro e dezembro — afirma Vivien Suruagy, presidente da Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (Contic).

Aumentos de custos
Para ela, a manutenção do veto pode gerar 1,5 milhão de desempregados — ou 25% das seis milhões de vagas dos setores afetados. Dos dois milhões de empregos dos setores que representa, Vivien prevê corte de 300 mil vagas em call centers, 100 mil em TI e 100 mil em infraestrutura de rede:

— E com um agravante, no call center muitas vagas são o primeiro emprego de mulheres, jovens mães, com um impacto social muito forte.

José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), afirma que, além de demissões, o setor deixará de contratar. Ele lembra que, neste ano de crise, a construção gerou mais de 100 mil vagas:

— Não podemos pensar que se trata de desoneração, mas da manutenção de um sistema que já está em vigor. Ou seja, se o veto for mantido, vai representar aumento de custos.

Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), lembra que esse aumento de custos vai acabar pesando no bolso do trabalhador:

— Só nos setores de aves, suínos e ovos, o impacto é da casa de R$ 1 bilhão. Fatalmente, teremos desemprego, perda da capacidade de geração de novos empregos e crescimento e, mais do que isso, reflexo direto na mesa do nosso consumidor, com mais aumento e inflação dos alimentos.

Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), lembra que a manutenção do veto de Bolsonaro vai turbinar um problema social que já deve ocorrer nos próximos meses:

— Se o veto for mantido, será muito ruim, justo em um momento em que parte da população já vai ficar sem o auxílio emergencial.