
Jornalista Flávia Faria
Especializada em reportagens guiadas por dados e editora do Deltafolha, núcleo de jornalismo de dados da Folha de S.Paulo, a jornalista Flávia Faria (foto ao lado) diz que a atuação do Consórcio de Imprensa que contabiliza diariamente o números da pandemia de Covid-19 no Brasil estabeleceu uma cultura de mais transparência não só para a sociedade, mas também para o poder público.
Segundo ela, à medida que o Consórcio – formado por UOL, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, Extra e G1 – assumiu o papel que o governo federal passou a não fazer, a partir de 8 de junho de 2020, estabeleceu-se mais transparência sobre a crise de saúde no país. “As secretarias de saúde também não tinham necessariamente uma cultura de divulgar os dados, de ter um site, de mostrar para a população como estava diariamente a situação da pandemia”, conta ela em entrevista à ANJ. “A partir do Consórcio, os estados que não faziam isso passaram a fazer também. Agora a gente tem um número diário, conseguimos dimensionar a pandemia todos os dias”. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
1. No momento que o Consórcio foi criado, quantas mortes estavam acontecendo por dia, qual era o número de mortos? Quantos mortos o Brasil registrava?
Estava uma média mais ou menos de 200, 300 mortes por dia. Eram 37 mil mortes, até aquele momento, e 710 mil casos.
2. Como foi decidida a criação desse consórcio de veículos de imprensa para cobrir e saber como está a covid-19 no país?
O consórcio surgiu depois que o governo federal fez mudanças na forma de divulgar os dados da pandemia. Havia ameaças de que a gente simplesmente não teria os dados, não teria dados de casos, de mortes. E, se a gente não sabe como está a pandemia, não consegue nem combatê-la. Em um determinado período, algo como uma semana, o governo mudou o horário de divulgação para que não saíssem (os dados) no Jornal Nacional. [O governo] atrasou publicações e em alguns dias não houve publicações. Então, o consórcio surgiu da diretoria dos veículos que sentiram essa necessidade de informar a população de um dado muito básico que estava sendo sonegado. Foi a ideia de dar uma resposta para a sociedade sobre a situação da pandemia.
3. Quantas pessoas estão envolvidas hoje neste trabalho?
Nós temos um grupo de WhatsApp em que basicamente todo mundo que já trabalhou com o Consórcio em algum momento está ali, e são mais de 100 pessoas. Não significa que são 100 pessoas que estejam efetivamente trabalhando todos os dias. Eu diria que são de 10 a 15 pessoas de todas as redações coletam todos os dias os dados e fazendo textos.
4. Na sua opinião, qual a contribuição do Consórcio para a sociedade?
O consórcio criou uma cultura de mais transparência não só para a sociedade, mas também para o poder público. A partir do momento em que o consórcio fez esse papel, que deveria ser do governo federal, houve um movimento junto com as secretarias de saúde, por exemplo, para ter mais transparência. As secretarias de saúde também não tinham necessariamente uma cultura de divulgar os dados, de ter um site, de mostrar para a população como estava diariamente a situação da pandemia. A partir do Consórcio, os estados que não faziam isso passaram a fazer também. Agora a gente tem um número diário, a gente consegue dimensionar a pandemia todos os dias. Acho que é no sentido de dar essa informação de qualidade para a sociedade, para que ela saiba o que está acontecendo no país, se a pandemia está melhorando, se está piorando, quais cuidados precisamos ter. A ideia é fornecer [informação] da melhor qualidade para que as pessoas possam tomar decisões em suas vidas.
5. Se vocês não tivessem tido essa iniciativa, qual o impacto você acha que teria tanto para as redações como para a sociedade? Talvez estaríamos em outra condição da pandemia?
Exato. Se você não sabe, se você não consegue ter esse cenário epidemiológico, que é basicamente formado pelos números, você não consegue oferecer uma resposta à pandemia, não consegue combater a pandemia, você não consegue pensar a política pública, você não consegue, por exemplo, planejar o retorno ao trabalho presencial. Você precisa saber se é seguro sair para ver os seus parentes.
6. Sem o trabalho do Consórcio nós estaríamos reféns do Ministério da Saúde, que não queria passar os dados com transparência.
Sim. Nesse ponto o Consórcio forçou o governo federal também a dar uma resposta a rever aquela política e a dar mais transparência para os dados. Acho que a gente estaria num cenário muito perigoso.
7. A ideia é coletar os dados até o final da pandemia? Manter essa equipe?
Sim. A gente nunca discutiu um fim. Então não tem esse plano no momento. Enquanto for necessário a gente vai continuar.
8. O esquema no Ministério da Saúde continua difícil?
Não. Ficou acordado que a gente buscaria os dados junto às secretarias (de Saúde) estaduais. Por uma padronização e por ser também o melhor dado. Quando você trabalha com os estados, você tem uma segurança maior dos dados até do que às vezes do geral do Ministério da Saúde. Então, a gente não quis ficar na mão do ministério. Os estados têm um dado melhor, é um dado mais constante.
9. Neste momento há uma melhora nos números pandemia. Graças a vacina e graças a essa mobilização dos veículos de imprensa de denunciar, de estar presente para cobrir.
Sim. Em um momento que o país está muito dividido, o consórcio mostra uma união de veículos que são concorrentes, mas ainda assim se juntaram em prol da sociedade para dar transparência em prol, querendo ou não também, da democracia.
10. É o mesmo caso do Comprova, veículos de imprensa concorrentes que estão se unindo para combater e para denunciar notícias enganosas. Isso é muito bacana, mostra que vai além da questão do mercado, vai além do lucro, é uma prestação de serviço efetivo.
Isso. E que é possível quando existe vontade. É possível. Espero que sejam duas iniciativas que sejam uma formiguinha para outras, que a gente tenha mais iniciativas colaborativas entre os veículos para atender a demanda da sociedade.