Por Elaine Silva*
O jornalismo local nunca foi tão importante para a democracia dos países. A mudança radical na forma de consumir notícias nos últimos 10 anos e, recentemente, após a pandemia coloca os veículos de comunicação das cidades brasileiras como um curinga para garantir que a desinformação não prevaleça em uma determinada região. Com a aproximação das Eleições 2022, é ainda mais relevante que a mídia localizada seja fortalecida, e não rechaçada, como vem ocorrendo em muitas áreas pelo Brasil afora.
Para começar a refletir sobre o assunto, trago dados do meu Estado, o Espírito Santo, o menor do Sudeste em população, mas com uma economia pujante e desenvolvimento que se destaca perante muitos Estados brasileiros. De acordo com o último Atlas da Notícia (www.atlas.jor.br), iniciativa do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), publicado em fevereiro de 2022, o Espírito Santo possui 27 municípios considerados deserto de notícias. São cidades que não dispõem de informação jornalística local. Isso corresponde a 34,6% dos nossos municípios.
A estatística citada fica ainda mais assustadora se olharmos a população envolvida no fenômeno do deserto de notícias. São 354.684 pessoas sem acesso a notícias locais, que poderiam garantir informação de qualidade para a tomada de decisão e a formação de opinião desses cidadãos. No Estado, esse quantitativo corresponde a 9,12% dos moradores.
No Brasil, 5 em cada 10 municípios brasileiros não possuem veículos de comunicação, representando 2.968 localidades, 29,3 milhões de pessoas, o que corresponde a 13,8% da população brasileira. Só para se ter uma ideia, o levantamento do Atlas mostra que, se os desertos formassem um Estado da federação, ele seria o segundo mais populoso, atrás apenas de São Paulo.
Volto então ao meu raciocínio inicial. Diante do tsunami de informações que vivemos hoje, como é possível ter tantas regiões sem um jornal, rádio ou TV locais? Muitos podem indagar que as redes sociais sozinhas resolvem isso, ou mesmo uma TV nacional. Mas será?
As Eleições 2022 estão batendo à nossa porta e, por ser jornalista e estar dentro da redação da maior empresa de comunicação do Espírito Santo, a Rede Gazeta, vejo a quantidade de informações mentirosas que circulam e chegam para a checagem nossos repórteres e editores. Aliás, ultimamente temos dedicado boa parte do nosso tempo de trabalho a checar fatos mentirosos ou enganosos, que circulam principalmente nas redes sociais.
Ou seja, a falta de veículos de comunicação oficiais em quase 50% dos municípios brasileiros e em 35% das cidades capixabas pode trazer um efeito terrível nas próximas eleições. A mentira pode levar a equívocos nos votos dos eleitores e, pior, trazer um temor ao ato de votar, resultando em aumento das abstenções.
O site A Gazeta, do qual sou editora-chefe, atua de forma regional, com ênfase nas áreas de cobertura onde possuímos sedes – as maiores cidades da Grande Vitória, Cachoeiro de Itapemirim, Linhares e Colatina. Estamos em um Estado com 46 mil metros quadrados e um litoral de 400 quilômetros. É um Estado pequeno, mas com um número expressivo de desertos de notícias. Imaginem aqueles com extensão maior e pouco adensamento populacional. A informação não circula e, pior, pode ser que a que circule seja mentirosa.
A grande questão hoje é que o jornalismo local vive o desafio de ser sustentável. É muito difícil que um único veículo de comunicação possa atuar em todas as cidades do seu Estado. Os veículos que conseguem existir nas cidades menores, fora dos grandes centros, dependem de recursos do poder municipal, o que é um risco para a independência editorial.
Qual é a solução, então, para não deixar a população se afogar nas informações mentirosas e ter acesso ao jornalismo local que contemple fatos não só de sua realidade, mas também análises de conjunturas regionais e nacionais?
Existem alguns caminhos sendo desenhados por meio de parcerias e opções de financiamentos pontuais para colocar em prática iniciativas que combatam os desertos de notícias e levem mais informação de verdade para a população. São projetos de jornalismo independente que contribuem para que as comunidades tenham acesso a informações. Isso já é uma realidade, por exemplo, na região Amazônica, que tem grande extensão e carência de veículos locais.
Mas quero citar aqui duas iniciativas que estamos realizando nessas eleições no Espírito Santo. Elas ajudam a levar conteúdos de qualidade à população de uma forma geral e também promovem a educação midiática.
Numa parceira desde 2018, já realizamos centenas de checagens dentro do projeto Comprova, que tem 43 veículos de comunicação brasileiros investigando informações suspeitas. Também estamos participando do Programa Núcleos de Checagem Eleitoral, liderado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), com apoio da Google News Initiative. São mais de 60 jornalistas de 31 veículos regionais envolvidos e A Gazeta atua com o Passando a Limpo, seção fixa do site que já realizou centenas de checagens locais desde 2017.
Outra ação para combater as fake news, é o projeto Informação de Verdade, que selecionou escolas capixabas para levar para dentro da sala de aula várias técnicas de checagem de boatos. Nesta primeira temporada, escolhemos cinco escolas, entre mais de 50 inscrições, para que os alunos de ensino médio possam ser os nossos caçadores de mentiras. Também vamos contemplar uma capacitação para professores, que serão os multiplicadores dessas técnicas nas escolas. A boa notícia é que teremos escolas escolhidas também fora da Grande Vitória, e com isso poderemos contemplar cidades onde não há veículos de comunicação.
O fato é que precisamos combater os desertos de notícias nas cidades brasileiras, estimular o surgimento de mais veículos de comunicação independentes, financiados por fundações, instituições ou coletivamente, e assim unir esforços na sociedade pelo combate aos boatos e fatos enganosos.
*Editora-chefe da Redação A Gazeta/CBN Vitória
Crédito da foto do topo: Fernando Madeira/A Gazeta