A Associação Nacional de Jornais (ANJ) saudou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de extinguir, na sexta-feira (29), por 9 a 2, 46 ações indenizatórias contra o jornal Gazeta do Povo, do Paraná, e cinco então repórteres da organização de notícias. As ações por danos morais foram propostas, em 2016, depois que o jornal publicou uma série de reportagens que mostravam os salários acima do teto constitucional pagos pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público paranaenses. Os processos foram apresentados em pelo menos 19 cidades, obrigando os jornalistas a viajarem por dias seguidos às audiências.

“O resultado não é apenas uma grande vitória da liberdade de imprensa neste caso que envolveu a Gazeta do Povo. É um sinal forte de que o STF não está mais disposto a aceitar o uso abusivo do próprio Judiciário nas chamadas litigâncias predatórias como forma de intimidar jornalistas e veículos de comunicação”, destacou o presidente-executivo ANJ, Marcelo Rech. A entidade acompanhou de perto o processo, tendo solicitado participação no processo como amicus curiae ao lado da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER). Em 2016, a Gazeta do Povo e os cinco profissionais receberam o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa.

Votaram pela extinção dos processos a ministra Rosa Weber, relatora da ação, e os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Edson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Luiz Fux e o presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Os ministros Alexandre de Moraes e Kassio Nunes divergiram, mas sem entrar no objeto da decisão, apenas afirmando que o meio processual não foi o adequado.

Relatora do caso no STF, a ministra Rosa Weber disse, em seu voto, que houve um “manejo coordenado de inúmeras ações de indenização idênticas, cuja causa de pedir diz com a divulgação, acompanhada de crítica legítima, realizada pela imprensa acerca dos vencimentos recebidos por agentes públicos acima do teto constitucional”.

Segundo a ministra, na tentativa de coagir os jornalistas, ficou caracterizado que os magistrados incorreram em abuso de direito, definido como “desvio de finalidade da conduta por meio de exercício excessivo, irresponsável e divorciado das finalidades sociais”, conforme o art. 187 do Código Civil de 2002. Para Rosa Weber, a divulgação de salários recebidos por servidores é de interesse público e, portanto, está protegida pela liberdade de imprensa. Ainda de acordo com ela, a tentativa de sujeitar os repórteres ao pagamento de indenizações, sem dano concreto, é censura.

“A decisão da ministra Rosa Weber foi impecável, corajosa, e reafirma os precedentes da Suprema Corte, principalmente, com o julgado da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 130, um marco para a liberdade de imprensa e de expressão”, disse o advogado Alexandre Jobim, que representou o jornal na causa. “Com esta nova decisão, na RCL (reclamação) 23899, fica bastante clara que não podem existir ações judiciais orquestradas, com abuso do direito de ação e que afrontem a liberdade de expressão dos meios de comunicação quando estes exercem seu papel de informar a sociedade. Desde o início das ações, a Gazeta do Povo sustentou que as petições iniciais eram praticamente idênticas e resultado de “ação coordenada”.

“Trata-se de uma decisão fundamental para a liberdade de expressão e de imprensa no país”, afirmou Guilherme Döring Cunha Pereira, CEO da Gazeta do Povo. “Estabelece um precedente da maior importância na proteção ao direito de crítica a toda e qualquer autoridade pública. Estamos muito felizes”, completou.

“O exercício do direito de ação pode se tornar abusivo e inconstitucional quando ele for utilizado de forma coordenada e dolosamente voltada a silenciar os veículos de imprensa e os jornalistas. Aplaudo a decisão do STF, capitaneada pelo voto da ministra Rosa Weber”, disse o jurista Gustavo Binenbojm, que advogou no processo pela ANJ, ABERT e ANER.

O acórdão deve ser publicado nos próximos dias.

Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF