A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) concluiu nesta sexta-feira (25) sua Reunião de Meio de Ano de dois dias, realizada virtualmente, com a leitura de suas Conclusões, que abordam temas relevantes que afetam a liberdade de expressão e de imprensa nas Américas. A crescente hostilidade, assédio e retórica estigmatizante contra jornalistas e meios de comunicação por parte daqueles que estão no poder se espalhou por todas as Américas, informa a entidade. Relatório do Brasil referente ao período entre outubro de 2024 e abril de 2025, compilado e produzido pela ANJ, revela que, no País, o período foi caracterizado por casos recorrentes de assédio e violência contra jornalistas e veículos de comunicação, com uma abordagem organizada e criminosa que lembra práticas mafiosas. Os objetivos são desacreditar coordenadamente as investigações jornalísticas, destruir as reputações e corroer os bens pessoais dos repórteres, além de provocar a autocensura. Leia aqui o documento na íntegra.

“Em todos os cantos do hemisfério, vemos como jornalistas e veículos de comunicação enfrentam uma realidade hostil: da violência física ao assédio judicial, da censura econômica à estigmatização pública. Governos autoritários e democracias enfraquecidas recorrem cada vez mais a táticas repressivas para silenciar vozes independentes”, disse José Roberto Dutriz, presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (La Prensa Gráfica, El Salvador), na abertura deste Encontro de Meio de Ano.

Nos últimos seis meses, a SIP registrou que a estigmatização do jornalismo patrocinada pelo Estado existe em pelo menos 14 dos 24 países monitorados na região. Isso significa que em mais da metade do continente — incluindo as nações mais populosas — a difamação da imprensa é uma prática comum entre líderes populistas de esquerda e direita, autoridades de escalão inferior, líderes da oposição e trolls de mídia social. Em todos os casos, com o claro objetivo de minar a credibilidade de jornalistas e veículos de comunicação que revelam fatos de interesse público.

Mas a violência verbal tem um lado ainda mais sério e perigoso. De outubro de 2024 até hoje, 10 jornalistas foram assassinados por motivos aparentemente relacionados ao seu trabalho profissional: um na Colômbia, um no Equador, um na Guatemala, dois no Haiti, quatro no México e um no Peru. E um repórter está desaparecido na Guatemala, um no México, um na Nicarágua e um no Haiti, respectivamente. Um alto nível de impunidade prevalece devido à falta de interesse em revelar quem está por trás desses ataques.

Este clima adverso para a imprensa é consequência da persistente deterioração institucional em grande parte do continente, que se traduz na falta ou ausência de salvaguardas para o exercício do jornalismo livre. E o enfraquecimento da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão dificulta o fomento de um debate cidadão amplo e pluralista, o que, por sua vez, afeta o clima democrático. Tudo isso é agravado pelas crescentes limitações no acesso à informação pública em praticamente todos os países das Américas.

Em um painel de discussão realizado durante o primeiro dos dois dias de debate, Laura Chinchilla, ex-presidente da Costa Rica, alertou que a democracia não pode ser considerada garantida. “Até as democracias mais sólidas estão sofrendo deterioração.” O número de países que caminharam em direção ao autoritarismo é mais que o dobro do número de nações que caminharam em direção à democracia, disse ele.

Em outro painel, Catalina Botero, ex-relatora sobre liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, propôs uma iniciativa para criar uma rede social de interesse público, para evitar a gestão discricionária de grandes plataformas que carecem de transparência e disseminam desinformação. “Câmaras de eco”, disse ele, “recompensam o valentão da vizinhança”.

Somando-se a esse ambiente cada vez mais complexo está o crime organizado, que continua a atacar a imprensa. No Equador, organizações criminosas ameaçaram cinco jornalistas, e outros seis ataques foram relatados em contextos digitais.

Como resultado da perseguição e da violência, em casos extremos, jornalistas tiveram que se exilar. A Rede Latino-Americana de Jornalismo no Exílio (RELPEX) registrou mais de 200 casos de repórteres deslocados, especialmente de Cuba, Venezuela, Nicarágua, El Salvador, Guatemala e Equador.

Viver no exílio acarreta desafios como desenraizamento, inadaptação cultural e linguística, recursos financeiros limitados, obstáculos legais, perseguição administrativa e judicial e retaliação contra familiares em seus países de origem. E também, no caso de países anfitriões, perseguição administrativa ou judicial por parte de sua própria nação. A SIP levantou a voz e está ampliando os programas de apoio.

A Venezuela, em particular, intensificou — no contexto político após as eleições de 2024 — a perseguição e a criminalização de trabalhadores da imprensa, com um aumento no número de prisões por cobertura de protestos e manifestações públicas.

Não é surpresa que o uso de meios legais contra jornalistas também esteja aumentando, com ações judiciais buscando intimidar aqueles que investigam e reportam. Isso é registrado em casos civis, muitas vezes envolvendo reivindicações multimilionárias, mas em muitos países também em casos criminais, apesar dos padrões internacionais estabelecerem que casos contra jornalistas por suposta difamação devem ser descriminalizados.

No entanto, a investida judicial para tentar silenciar o jornalismo também recorre a truques para prender jornalistas. O caso paradigmático na Guatemala é o de José Rubén Zamora Marroquín, fundador do elPeriodico, que passou mais de 850 dias preso por um caso irregular baseado em suposta lavagem de dinheiro. Perseguições semelhantes estão sendo realizadas no Peru contra jornalistas que investigam criminosos e funcionários públicos.

Os relatórios país por país apresentados na reunião da SIP também destacam campanhas de assédio nas redes sociais, assédio que muitas vezes é direcionado principalmente às mulheres.

Da mesma forma, houve um aumento nos ataques contra jornalistas que cobrem protestos de rua, seja pela ação de manifestantes violentos ou pela repressão policial.

No outro canto, há o desafio contínuo da sustentabilidade da mídia. E isso foi abordado em detalhes em uma análise aprofundada dos impactos da inteligência artificial. Ana Paula Valacco, do Journalism AI, está confiante de que os mecanismos de IA podem ser parte da solução. “Não devemos ter medo dele.”

Lembremos, disse Cristina Tardáguila, da agência Lupa, que a desinformação não nos levou ao caos eleitoral que pensávamos que levaria. Para estudar esse fenômeno, precisamos de IA.

“Não há jornalismo livre sem meios de comunicação viáveis”, afirmou o presidente da SIP. Nesse sentido, destacou o trabalho que a SIP vem realizando com o apoio da Google News Initiative, no âmbito do Digital Revenue Accelerator. “Esta iniciativa, em sua segunda fase, já beneficiou dezenas de veículos de comunicação na América Latina, oferecendo capacitação, mentoria e ferramentas práticas para fortalecer modelos de negócios, diversificar receitas e aproveitar melhor as oportunidades do ambiente digital.”

Na manhã desta sexta-feira, Miguel Angel Olivier, da EFE, e Julie Pace, da AP, reportaram os desafios de cobertura que continuamos enfrentando. Uma consequência disso é o crescente número de jornalistas no exílio, sobre o qual ouvimos depoimentos.

No dia de encerramento da reunião, Carlos Jornet, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação (La Voz del Interior, Argentina), enfatizou que “se não combatermos a desinformação e a intolerância, a desinformação e a intolerância destruirão o jornalismo, a democracia e o bem-estar de nossas sociedades”. E acrescentou: “Continuemos trabalhando para garantir que nossos meios de comunicação sejam espaços de debate e desenvolvimento cívico, bastiões contra o autoritarismo e esperança de liberdade e progresso.”

Nos Estados Unidos, com a chegada do presidente Donald Trump, o descrédito e as tentativas de minar o trabalho de jornalistas e empresas levaram até mesmo a um apagão de notícias.

Aqui está o texto completo das Conclusões.

A SIP ( https://www.sipiapa.org/conte nidos/home.html ) é uma organização sem fins lucrativos dedicada a defender e promover a liberdade de imprensa e de expressão nas Américas. É composto por mais de 1.300 publicações do Hemisfério Ocidental; e tem sede em Miami, Flórida, Estados Unidos.