O ESTADO DE S.PAULO E O GLOBO – 26/10/2018
PEDRO DORIA
Está para sair um estudo particularmente interessante assinado pelo Grupo de Pesquisa em Tecnologias da Comunicação e Política da Uerj. Seu objetivo: compreender como funcionam as redes de WhatsApp que distribuem notícias falsas. Desde o nascimento, passando pela distribuição, e incluindo a assimilação. Para isso, fizeram entrevistas com profissionais deste marketing obscuro e acompanharam os caminhos de 438,4 mil mensagens que circularam em 90 grupos distintos nos últimos meses.
As equipes que produzem fake news estão em operação desde 2017. Não operam com as campanhas, trabalham em separado e em paralelo. Uma delas, localizada pelos pesquisadores, era formada por designer, três analistas, um cientista de dados e um estatístico. Sua produção aumenta nos momentos mais importantes — sabatinas, debates ou mesmo acontecimentos inesperados, porém marcantes. O objetivo, claro, aumentar a rejeição dos rivais e tirar o foco de suas agendas. E um terceiro, mais sutil: o de preparar o terreno quando uma notícia ruim para seu candidato está para chegar, minando a credibilidade dos veículos e jornalistas que trazem a história.
“O WhatsApp é a nova deep web”, disse um deles. A web profunda é aquela não mapeável, desligada dos buscadores, com sistema de endereços próprio, onde tudo de ilícito acontece. Afinal, quem produz informação falsa precisa garantir que a origem não será identificada. Na rede de conversas, é possível.
Mas o trabalho é intenso. Existe um aparato de desmentidos de fake news. Por isso, é preciso garantir que uma plantação nova circule o mais possível, e rápido, antes que o desmentido tenha tempo de alcançar os receptores. O disparo, portanto, tem de ser em grande volume. E isto acarreta numa dificuldade: o WhatsApp tem um filtro de spams que percebe se telefones estão enviando mensagens num nível não compatível com o que faria um ser humano. Ou seja, o repertório de chips pré-pagos das fazendas de números tem de ser reposto de tempos em tempos.
Os 90 grupos acompanhados tinham orientação política de toda sorte, da esquerda à direita. Mas, curiosamente, 99% de seus membros estavam interconectados. Ou seja, havia pessoas em mais de um grupo que comentavam em mais de um deles, de forma que, indiretamente, estava lá a possibilidade de que a informação pudesse ir de um canto para o outro.
Quando as equipes que preparam fake news enviam para suas redes de grupos, construídas ao longo do tempo, seu objetivo é que as mensagens cheguem ali e sejam redistribuídas para outros grupos de política que tenham nascido espontaneamente, mas também os de amigos, de família e tudo o mais. Quanto mais longe chega uma mensagem, mais crível ela se torna, por ter sido encaminhada por alguém próximo, em quem se confia.
A maioria dos usuários só lê, um número pequeno comenta, mas pouquíssimos trazem as notícias falsas. Curiosamente, os mecanismos de reafirmação da identidade conjunta não despertam desconfiança. Até porque, mesmo havendo interconexões, as notícias falsas só chegam àqueles ambientes nos quais encontrarão receptividade. Desta forma, TVs e jornais são aceitos quando confirmam as crenças, e descartados como se opositores fossem, quando as desmentem.
Uma curiosidade: quando saiu o resultado do primeiro turno e os bolsonaristas começaram a criticar nordestinos, temendo a percepção externa de preconceito, os administradores de presto intercederam impondo regras de conduta e expulsando alguns membros. Poucos dias depois, passaram a circular a história de que a candidatura petista distribuía a fake news de que eleitores do capitão reformado falaram mal do Nordeste. Ninguém questionou.