FOLHA DE S.PAULO
Nelson de Sá
Três meses atrás, ao revelar que o Google se preparava para licenciar conteúdo jornalístico, ou seja, pagar por notícias, o executivo Brad Bender reconheceu ser um esforço para responder às demandas crescentes, da Austrália à Europa.
“Nós escutamos, em alto e bom som, que temos que fazer mais para apoiar publishers ao redor do mundo. E este anúncio é parte da solução”, disse. “É algo que o nosso presidente está apoiando”.
Na quinta (1º), Sundar Pichai, CEO do Google, se declarou “orgulhoso” ao divulgar um gasto “inicial” de US$ 1 bilhão no News Showcase, para perto de 200 publicações de Alemanha, Brasil, inclusive a Folha, Argentina, Canadá, Reino Unido e Austrália.
A Austrália já foi suspensa da lista pela diretora do Google no país. “Nós colocamos este projeto em pausa, por ora”, disse Melanie Silva, “enquanto trabalhamos para entender os impactos do código de negociação”, projeto em fase adiantada no Parlamento.
O código prevê que, se a plataforma e o veículo não chegarem a acordo sobre os valores de remuneração, começa um processo de arbitragem, com poder de decisão sobre as partes. Bender o considera “impraticável”.
Não é só na Austrália que o impasse prossegue. O Conselho Europeu de Publishers, que tem entre seus membros a nova CEO do New York Times, Meredith Kopit Levien, divulgou uma nota agressiva contra o Google News Showcase:
“Muitos são bastante cínicos sobre a estratégia do Google. Ao lançar seu próprio produto, eles podem ditar termos e condições, minar a legislação destinada a criar condições para uma negociação justa, enquanto dizem que estão ajudando a financiar a produção de notícias.”
Tanto na Austrália como na França, países em que as mudanças são encabeçadas pelos órgãos de concorrência, a questão é garantir negociação justa —que o domínio de mercado pelas plataformas não sufoque o outro lado.
Na Austrália, o código deve ser aprovado até o fim do ano. Na França, o calendário é mais apertado: O Google recorreu de uma ordem para negociar remuneração com os veículos, e a decisão do tribunal deve sair na próxima quinta (8).
O conflito prossegue, mas Pichai ganhou um aliado inesperado, Rupert Murdoch. Robert Thomson, CEO da News, que reúne os títulos do magnata, não liberou ainda nenhum jornal para a lista do News Showcase, mas elogiou em nota:
“Aplaudimos o reconhecimento do Google de uma remuneração para o jornalismo premium e a compreensão de que o ecossistema editorial tem sido disfuncional, quase distópico. Há negociações complexas pela frente, mas o precedente está agora estabelecido.”
Kopit Levien fez a sua primeira aparição, como CEO do NYT no lugar de Mark Thompson, e não se alongou sobre o cabo de guerra com as plataformas. “É um tema complexo, não sabemos como a história termina, estou tão curiosa quanto você.”
Falando ao Goldman Sachs (vídeo acima), fixou-se no consumidor direto. “Há várias forças no mercado se movendo em nosso favor. Uma é a disposição de pagar por notícias. Está simplesmente aumentando. Entretenimento e música estabeleceram o caminho para isso.”
Ela divulgou a projeção de que, em dez anos, haverá 100 milhões pagando por jornalismo, metade nos EUA. “E não é difícil imaginar que o NYT tenha três, quatro vezes” os 6,5 milhões de assinantes de hoje.
Ou seja, projeta até 26 milhões de assinaturas, para 2030. Mas uma outra “força de mercado se movendo” em favor de seu jornal, acrescentou ela constrangida, é que a oferta de jornalismo de qualidade —sua concorrência— está se reduzindo.