PORTAL IMPRENSA
Sinval de Itacarambi Leão
José Antonio Guimarães Lavareda Filho, 69 anos, é conhecido na imprensa brasileira desde 1985 quando assessorou a campanha vitoriosa de Jarbas Vasconcelos para prefeito de Recife, pelo PSB. Uma eleição que já prenunciava e a redemocratização do país e a Constituinte Cidadã.
Jornalista virou fonte para a imprensa como especialista em marketing político. Seu capital vem de sua carreira acadêmica e universitária sólida que o credenciou para outras 90 campanhas eleitorais de lá até 2012, feitas para o PMDB, PSDB, PFL/Democratas, PSB, e PC do B, entre outras. Como escritor, sua obra trata com disciplina teórica a pesquisa e o marketing político.
Nessa entrevista dada ao Portal IMPRENSA, por e-mail, Lavareda enfoca a próxima eleição municipal de 2020, ano da Covid-19 e de um batalha ideológica só comparável a 1953/54 (Getúlio), 1963/64 (Jango) e 1983/84 (Diretas Já).
Portal IMPRENSA: Todo o poder emana do povo e em nome dele é exercido por governantes eleitos. Quais os diferenciais entre eleições tão dispares como uma votação na Atenas do século V AC, na primeira eleição americana em 1788 e em nossas últimas eleições presidenciais de 2018?
Antonio Lavareda – As principais diferenças residem na latitude da “democracia” de cada época. Sinteticamente, a existência de escravos e a exclusão das mulheres estreitavam seus limites nos dois momentos históricos assinalados. Na nossa história pós-monarquia, a participação durante muito tempo seguiu restrita, o que deu lugar à crise que traduzida na Revolução de 30 e pôs fim à primeira república. Mesmo o regime pós-segunda guerra, cujas eleições analisei no meu livro “ A Democracia nas Urnas” (Ed.Revan, 3a. Ed.,2012), a despeito de ser nossa primeira “democracia de massas”, ainda manteve restrições aos analfabetos, parcela então significativa da nossa população. Foi somente com a Nova República que vimos universalizada a franquia eleitoral, com a participação de todos os segmentos, incluindo os jovens a partir dos 16 anos.
Portal IMPRENSA: No Brasil, os levantamentos eleitorais de opinião pública feitos via amostras representativas do universo de cidadãos habilitados a votar, tem lacunas de representatividade e, se sim, como ler os resultados obtidos?
Não há melhor retrato do sentimento e do pensamento de uma sociedade do que o produzido por pesquisas do tipo survey, sérias, confiáveis, cientificamente balizadas. Ainda assim, os diversos métodos têm virtudes e lacunas que devem ser devidamente caracterizadas pelos institutos e pela mídia que os divulga. Entrevistas presenciais domiciliares, de pontos de fluxo, telefônicas com tele-pesquisadoras, telefônicas com chamadas mecânicas, entrevistas on-line: todas elas têm implicações com consequências nos dados obtidos que devem ser conhecidas do público que consome as suas informações.
Portal IMPRENSA: “Pesquisa das Pesquisas” critério usado em vários países pela cobertura jornalísticas das eleições, inclusive no programa “De Olho no Voto” da TV Cultura, em que você participa, tem validade na previsão de resultados eleitorais?
A “Pesquisa das Pesquisas” foi iniciada por nós pioneiramente no Brasil, preliminarmente nas eleições de 2014, com metodologia que consolidamos este ano, devidamente registrada no INPI. Explicada no blog Eleições com Lavareda é um “agregador inteligente” , na linha do FiveThirtyEight nos EUA, diferente do RealClearPolitics e outros que apenas extraem a média das pesquisas. No nosso caso, há um crivo em relação aos levantamentos divulgados, sendo excluídas pesquisas contratadas por partidos, aquelas com dados outliers pouco consistentes e ainda as que vêem a público dias após o prazo de liberação. Os dados considerados são submetidos a algoritmos que levam em conta a tradição do instituto, a metodologia utilizada, em alguns casos a equipe técnica e sempre as características amostrais. Além de condensar milhares de dados de diferentes institutos em eleições como as desse ano, ela ajuda a embasar melhores prognósticos. Devendo-se levar em conta que as previsões não devem ser feitas apenas com base nas pesquisas eleitorais. Há outros fatores – a história do comportamento dos eleitores sendo um deles – que devem ser considerados, e que, infelizmente, os analistas esquecem com frequência.
Portal IMPRENSA: Como funciona nas eleições, a abstenção de votar, o voto nulo e o voto em branco? Qual é a leitura de cada um?
A abstenção no Brasil chegou a 21,48% no segundo turno da última eleição presidencial. Mais de 31 milhões de eleitores. Somados aos votos em branco e aos nulos temos 42 milhões e 720 mil cidadãos que não votaram em nenhum dos dois candidatos, fazendo com que o eleito, Jair Bolsonaro, tenha obtido contra Fernando Haddad 39,2% dos votos totais (55,2% dos válidos). Abstenção é simples de ser interpretada. É recusa ao comparecimento, pura e simplesmente. Votos em branco e nulos combinam uma recusa à participação e nos lugares mais remotos são motivados também por erros na hora de votar. O conjunto é denominado “alienação eleitoral”. Tem crescido apesar do voto ser obrigatório. O que aliás deveria ser objeto de reflexão. Não está na hora de adotarmos o voto facultativo? Não melhoraria a relação entre os políticos e a sociedade? Vale discutir a respeito.
Portal IMPRENSA: Nas eleições municipais de 2020, qual é a previsão de influência da pandemia do Covid-19?
Entrevistamos recentemente, Mônica Bergamo e eu, no nosso programa Ponto a Ponto no BandNews TV, o Ministro Luis Roberto Barroso, Presidente do TSE. Ele se mostrou confiante nas providências adotadas quanto à segurança sanitária do pleito. E até manifestou a expectativa otimista de que venhamos a ter um recorde de participação esse ano. A taxa de abstenção mostrou variações importantes nos diversos países que têm conduzido eleições durante a pandemia. Deixando-se à margem os EUA, porque lá há o voto postal, os números vão dos inéditos 60% das eleições municipais francesas até os 15% das eleições locais no Uruguai.
Portal IMPRENSA: Ódio conversa com voto? Ódio elege prefeito ou vereador?
Infelizmente, sim. O voto não raro é um canal de expressão das emoções do eleitorado. Mostrei isso no livro “Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais” ( Ed.Objetiva, 2009). Esperança, desejo de mudança, indignação… e também ódio. Isso ocorre há muito tempo, em muitos lugares. Os candidatos dos extremos do arco ideológico cultivam mais a exacerbação dos sentimentos, com destaque para o ódio. Nas eleições deste ano, acredito que sentimentos negativos podem contribuir mais para a eleição de vereadores – onde relativamente poucos votos são suficientes – do que para a escolha de prefeitos. A pandemia nos trouxe muita incerteza e insegurança. O ódio fica um pouco deslocado como ferramenta emocional nesse contexto.
Portal IMPRENSA: Mídias tradicionais x mídias sociais: quais as funções de cada uma nas eleições democráticas de 2020?
Mídias tradicionais, sobretudo TV e rádio onde estão disponíveis para as campanhas, continuarão a ser fundamentais. As mídias digitais se somam a elas, ensejando o aprofundamento das informações e a interação candidato-eleitor. Úteis para as campanhas de vereadores, sobretudo. Há uma lenda sobre 2018 que teria assinalado o ocaso da importância da TV nas campanhas. Bobagem. Bolsonaro só tinha sete segundos de propaganda na televisão, mas teve nos telejornais, por conta do episódio da facada, mais tempo de exposição que todos os adversários somados. Os americanos estão gastando nas eleições desse ano, somados os dois lados, segundo a Kantar, 4.7 bilhões na TV e 1.6 bilhão no digital. Precisa dizer mais? Eles inventaram as campanhas modernas e as redes sociais.
Portal IMPRENSA: Quais são os pontos positivos e negativos da legislação sobre a publicidade das pesquisas eleitorais em 2020?
Há como melhorar a divulgação. O Conselho de Opinião Pública da ABEP, do qual faço parte, está reescrevendo seu Manual de Divulgação das Pesquisas Eleitorais. Alguns pontos necessitam de fato ser revistos. O principal deles é a abordagem da margem de erro, anunciada de forma equivocada pela maioria dos órgãos de imprensa.