O ESTADO DE S.PAULO – 05/12/2019
BRUNO CAPELAS
O indiano Sundar Pichai, de 47 anos, ganhou nesta semana uma missão bastante complexa: substituir os ex-chefes Larry Page e Sergey Brin à frente da Alphabet, holding que controla o Google. Se qualquer sucessão já é difícil, neste caso é mais ainda: ícones do Vale do Silício, Page e Brin criaram em 1998 o motor de buscas que deu origem à terceira maior empresa do mundo, avaliada em US$ 910 bilhões.
Mais que isso, os dois são ícones da nova economia, tendo criado o ideal da empresa do século 21, com benefícios e jornadas de trabalho flexíveis. Desde a noite da terça-feira, porém, Page e Brin, de 46 anos, serão apenas “pais orgulhosos”, mantendo-se no conselho, enquanto caberá ao indiano fazer a empresa seguir adiante.
Além do desafio pessoal, a ascensão de Pichai muda a cara do mercado de tecnologia. Primeiro, porque ele será o segundo indiano a liderar uma empresa do setor – o primeiro é Satya Nadella, que está à frente da transição da Microsoft para a computação na nuvem desde 2014.
Segundo, porque é a primeira vez que há mais funcionários do que fundadores na liderança das cinco maiores empresas do setor (o grupo é formado ainda por Amazon, Apple e Facebook). Uma diferença que se sente no bolso: enquanto Page e Brin acumulam juntos uma fortuna de US$ 110 bilhões, Pichai tem cerca de US$ 600 milhões.
Origem. Nascido Pichai Sundararajan, o indiano teve uma infância simples. Filho de uma estenógrafa e um engenheiro, ele cresceu em um apartamento alugado e não tinha geladeira nem TV quando era criança. Seu sonho era ser jogador de críquete. Como a carreira esportiva não deu certo, ele se formou em Engenharia Metalúrgica na Índia. Além do esporte indiano, Pichai também adora futebol.
Após a graduação, ele raspou as economias da família para fazer o mestrado em ciência dos
materiais na Universidade Stanford, nos EUA. Na Califórnia, foi contemporâneo de Brin e Page, mas só começou a trabalhar para eles em 2004, após passar pela consultoria McKinsey.
Ao longo de sua primeira década no Google, Pichai liderou diversos produtos que compõem a espinha dorsal da empresa, como o navegador Google Chrome, o pacote de produtividade Google Drive e o Gmail. Também já teve de substituir grandes nomes: entre 2013 e 2015, comandou o desenvolvimento do Android, sucedendo Andy Rubin, engenheiro que criou a plataforma, em 2008.
Em dois anos, o indiano fez o Android saltar de 1 bilhão para 1,8 bilhão de dispositivos em todo o mundo. Os bons resultados o credenciaram a assumir o comando do Google, depois que Brin e Page resolveram se dedicar a pensar (e gastar) em tecnologias como carros autônomos, criando a estrutura da holding Alphabet.
Mais do que uma alteração de governança, a novidade fez Pichai
assumir um lugar sob os holofotes. Com Page e Brin reclusos, é ele quem comanda os principais eventos do Google e responde pela empresa em depoimentos em Washington.
Fase difícil. É na capital americana que estará o primeiro grande desafio de Pichai: resistir à pressão de reguladores e legisladores, que criticam frequentemente a empresa por temas como concorrência desleal, uso de dados pessoais e até mesmo influência política em eleições. Nos EUA, o Congresso e o Departamento de Justiça têm inquéritos abertos sobre o Google. Na União Europeia, a empresa também teve de pagar mais de US$ 8 bi em multas por casos de concorrência desleal.
Além disso, Pichai terá de descobrir como manter o Google faturando com publicidade direcionada, enquanto crescem as preocupações com privacidade. Também terá de pôr de pé negócios inovadores como a empresa de carros autônomos Waymo e avançar em países emergentes, como o Brasil e sua terra natal. O último desafio não é menos complicado: a pressão interna dos funcionários do Google, cujos protestos se intensificaram recentemente – as causas vão do envolvimento com o governo chinês à possível omissão da empresa em casos de assédio sexual e moral. Serão tempos difíceis.