O Supremo Tribunal Federal (STF) validou recentemente norma que dispensa as sociedades anônimas de publicarem atos societários e demonstrações financeiras em diário oficial e exige a divulgação das informações em jornal de grande circulação, em formato híbrido de publicação: resumo no jornal físico e, simultaneamente, íntegra no site do mesmo veículo. A decisão unânime foi tomada na sessão virtual do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7194.

Na ação, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) questionava dispositivo da Lei 13.818/2019 que alterou a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976). A redação anterior obrigava as empresas a publicar seus atos em diário oficial da União, do estado ou do Distrito Federal e em outro jornal de grande circulação no local de sua sede. Após a alteração normativa, foi mantida apenas a segunda obrigação.

O relator, ministro Dias Toffoli, ressaltou que as inovações tecnológicas afetam profundamente a forma de acesso à informação, e é razoável que uma lei de 1976 seja atualizada para acompanhar essas transformações. Segundo Toffoli, a divulgação da íntegra dos atos societários na página da internet de jornais de grande circulação atinge grande número de pessoas interessadas. Além disso, foi mantida a obrigatoriedade de divulgação na mídia impressa, o que contempla as pessoas que não costumam ou não conseguem usar meios eletrônicos de acesso à informação.

No artigo abaixo, os advogados André Santa Cruz, Amanda Mesquita Souto e Bruno Camargo Silva fazem a defesa técnica da tese que prevaleceu na decisão do STF. Confira:

STF reconhece constitucionalidade da atual redação do art. 289 da Lei das S/A.

Dispositivo consagra sistema híbrido de publicação: resumo em jornal físico e íntegra na internet

A Lei 13.818/2019 alterou a redação do art. 289 da Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações – LSA), que trata das publicações das sociedades anônimas. Desde 1º de janeiro de 2022, data da entrada em vigor dessa lei, houve (i) a exclusão da publicação em Diários Oficiais e (ii) a simplificação da publicação em jornais de grande circulação (resumo na versão física e íntegra na versão eletrônica).

Essa mudança teve o objetivo de desburocratizar as publicações das sociedades anônimas, reduzindo o seu custo, mas nunca foi intenção do legislador suprimir a necessidade de publicação em jornal físico: a ideia foi simplificar tal publicação, que passou a ser resumida, mas acompanhada de outra publicação integral, esta em versão eletrônica.

Sempre defendemos que a Lei 13.818/2019 não eliminou a necessidade de publicações em jornais impressos. O que a lei criou foi um mecanismo de simplificação, redução de custos e aumento da transparência, por meio da combinação de uma publicação em meio impresso (versão resumida) com uma publicação em meio eletrônico (versão integral). Assim se garantiu, de um lado, a almejada redução de custos para as companhias e, de outro, a imprescindível difusão da informação para todos os interessados.

Essa interpretação foi a mesma dada pela Presidência da República e pela Procuradoria-Geral da República na ADIn 7.011, que questionava a constitucionalidade da Lei 13.818/2019.  Ainda que essa ação não tenha sido julgada no mérito, visto que a ministra relatora, Cármen Lúcia, negou seguimento à ação em razão da ilegitimidade ativa da parte autora, verificamos que não houve dúvidas, nas manifestações desses entes, sobre a publicação resumida determinada pela nova redação do art. 289 da LSA ter de ser realizada em jornal impresso.

O Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), no Manual de Registro de Sociedade Anônima (Anexo V da IN 81/2020), também consagrou essa interpretação, sempre deixando claro que, quando a LSA menciona “jornal de grande circulação”, está se referindo a um veículo impresso.

Outro argumento que reforça essa interpretação é o seguinte: quando o legislador quis realmente eliminar a necessidade de publicações de sociedades anônimas em meio físico (jornal impresso), ele o fez de maneira muito clara e direta, mas com um recorte bem específico. Referimo-nos à Lei Complementar 182/2021, conhecida como o Marco Legal das Startups, que alterou o art. 294 da LSA, possibilitando que a companhia fechada com receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) realize as publicações legais totalmente de forma eletrônica.

Por fim, no dia 4 de julho de 2024, foi publicado o acórdão do STF no julgamento da ADIn 7.194, que julgou improcedente a referida ação para declarar a constitucionalidade do art. 1º da Lei 13.818/2019, que deu a atual redação ao art. 289 da LSA.

Nesse julgamento, o STF não apenas reconheceu a constitucionalidade da regra que dispensou as sociedades anônimas de publicarem atos societários e demonstrações financeiras em Diários Oficiais, mas também deixou claro que a correta interpretação da atual redação do art. 289 da LSA é a seguinte: publicação resumida em jornal de grande circulação na sua versão FÍSICA e publicação integral no portal eletrônico do mesmo jornal. A propósito, veja-se o item 2 da ementa do acórdão:

  1. No intuito de se disponibilizarem as informações pertinentes às pessoas e entidades interessadas, embora dispensada a publicação em diário oficial, a norma manteve a obrigatoriedade de divulgação dos atos das sociedades anônimas em jornais de ampla circulação, tanto no formato FÍSICO, de forma resumida, quanto no formato eletrônico, na íntegra.

De acordo com o ministro relator, Dias Toffoli, “a divulgação da íntegra dos atos societários na página da internet de jornais de grande circulação é medida que logra atingir grande número de pessoas interessadas e que se mostra acessível para o fim que se propõe. Ademais, a norma mantém a obrigatoriedade de divulgação dos atos societários na MÍDIA IMPRESSA, o que contempla a parcela da população que não costuma ou não consegue fazer uso de meios eletrônicos de acesso à informação”.

Vale ressaltar que esse julgamento do STF se deu em sede de controle abstrato de constitucionalidade, que tem efeito vinculante e erga omnes.

Portanto, sem qualquer espaço para dúvidas, de acordo com a atual redação do art. 289 da LSA, simplificou-se a regra geral de publicidade legal das companhias brasileiras, adotando-se um sistema híbrido de publicação: resumo em jornal de grande circulação FÍSICO e, simultaneamente, íntegra no sítio eletrônico desse mesmo jornal na internet.

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André Santa Cruz é advogado, sócio-fundador do escritório Agi, Santa Cruz & Lopes Advocacia, doutor em Direito Comercial pela PUC-SP, professor de Direito Empresarial do IESB-DF e ex-diretor do DREI.

Amanda Mesquita Souto é advogada associada no escritório Agi, Santa Cruz & Lopes Advocacia, pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV e ex-diretora do DREI.

Bruno Camargo Silva é advogado, sócio da Camargo Silva Consultoria. Professor de Direito Empresarial e Processual. Jornalista. Mestrando em Direito pela Universidad Europea Del Atlántico (Espanha). Especialista em Direito Processual pela PUC-MINAS.

Foto: Andressa Anholete/STF