O ESTADO DE S.PAULO
Bruno Capelas, Giovanna Wolf
Ao depor no Congresso dos EUA sobre liberdade de expressão na internet, Mark Zuckerberg, do Facebook, teve problemas para se conectar à sessão online.
Pela segunda vez em 2020, líderes de grandes empresas de tecnologia tiveram de se apresentar ao Congresso dos EUA para discutir suas operações. Mas, desta vez, a discussão não foi sobre antitruste, como em julho, e sim sobre liberdade de expressão e interferência política nas redes sociais. Em sessão que durou pouco menos de quatro horas, Mark Zuckerberg, do Facebook, Sundar Pichai, do Google, e Jack Dorsey, do Twitter, responderam a perguntas que evidenciaram a polarização atual dentro e fora das redes – mas pouco se falou sobre mudanças efetivas.
De um lado, conservadores acusam as empresas de censurar suas ideias; de outro, liberais e democratas afirmam que as companhias precisam fazer mais para evitar disseminação de desinformação nas plataformas.
O depoimento tinha uma função clara: discutir se seriam necessárias mudanças na Seção 230, lei introduzida em 1996 nos EUA e que garante regras sobre liberdade de expressão e moderação de conteúdo na internet. A regra diz que as plataformas e sites não são responsáveis pelo conteúdo ali publicado por terceiros. Ao fazer isso, a norma garante a liberdade de expressão e evita que as plataformas sejam inundadas por processos judiciais, o que ajudou a internet a crescer, especialmente em seus primeiros anos.
Mas há quem acredite que a mesma regra seja usada para fazer com que as plataformas se esquivem de tomar atitudes mais proativas com relação a desinformação ou discursos de ódio. “A internet mudou e as empresas não são mais startups de garagem. São corporações que têm poder na economia, na cultura e na opinião pública”, ressaltou o senador republicano Roger Wicker, presidente do Comitê de Comércio do Senado dos EUA, que sediou a sessão.
Política.
A discussão sobre a Seção 230 tem forte sabor político: em maio, o presidente Donald
Trump assinou uma ordem executiva pedindo a revisão da lei, após o Twitter rotular algumas de suas publicações como falsas, imprecisas ou potencialmente danosas. Por diversas vezes neste ano, Trump publicou informações que não eram verdadeiras sobre o novo coronavírus.
O tom de rivalidade e polarização marcou o depoimento. Senadores republicanos questionaram constantemente líderes das três empresas sobre os motivos de rotular declarações de Trump, mas não outras igualmente danosas ou ofensivas.
A principal resposta é a de que Trump, pela posição que ocupa, pode causar muito mais dano com suas declarações. Quem mais sofreu com este tema foi Dorsey, do Twitter, cuja empresa tem sido a mais vocal entre as três a rotular as declarações de Trump como falsas, imprecisas ou danosas.
Já os democratas alegaram que as empresas têm ajudado os conservadores a ter suas vozes mais ouvidas, mesmo quando suas declarações se aproximam da desinformação e de discurso de ódio. “Os executivos estão sendo acusados de atacar os conservadores, mas na verdade, têm feito justamente o contrário”, disse o democrata Brian Schatz, do Havaí.
Seu colega Richard Blumenthal, de Connecticut, acusou os republicanos de usar o debate para influenciar as eleições. “Meus colegas estão fazendo bullying com as empresas de tecnologia e o timing desta sessão, a seis dias do pleito, é inexplicável.”
Mudanças.
Já as mudanças na Seção 230 ficaram em segundo plano. Mark Zuckerberg se disse favorável a uma mudança, pedindo por maior transparência nos processos de moderação de conteúdo, sem entrar em grandes detalhes. Ele disse ainda que não quer ser um árbitro do que deve estar ou não na internet.
Já Pichai, do Google, pediu cuidado. “Tenham noção dos impactos que mudar a Seção 230 pode causar na internet”, disse, considerando aspectos como mudanças na liberdade de expressão e também na livre concorrência – a ameaça de ser processada na Justiça pode levar empresas que busquem competir com as três gigantes a não se inserir no mercado.